Juliet (
evig) wrote in
contemspoiler2015-09-09 01:34 pm
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São Bernardo, o filme e o romance
A ideia inicial era resenhar o livro, mas eu já fui contaminada (positivamente) pelas análises do meu professor de Literatura Brasileira. Como esse semestre eu peguei um matéria de Comparada, pretendo exercitar a análise com filmes.
Vi São Bernardo de Leon Hirszman (1971) ontem à noite e me emocionei, o que não ocorreu com o livro. Isso é comum pra mim, me emociono fácil com filmes, mas os livros me arrancam sorrisos e não lágrimas, independente do clima dele. (Posso ter me emocionado com alguns livros também, mas já não me lembro...) Um fator que pode ter influenciado as lágrimas pode ter sido o conhecimento prévio do desfecho das personagens e o uso dos diálogos do livro. Uma escolha que eu considerei muito feliz.
A trama da obra consiste numa tentativa de Paulo Honório, o senhor da fazenda São Bernardo, a qual ele trabalhara quando jovem, em contar através da escrita sua história e como conseguiu erguer São Bernardo, como conseguiu ascender de uma classe social pobre à coronel. Estamos no interior de Alagoas, no período da República e ao longo da primeira parte do livro e do filme, você acredita que a estória é sobre isso.
Então, entra Madalena. O leitor já sabe que Madalena faleceu há dois anos. No filme não me lembro se a informação é dita logo no início de sua aparição ou mais adiante. O que importa aqui é que Madalena (e isso não fica claro no filme) é o completo oposto do que Paulo Honório desejava numa esposa, e mais importante, é o completo oposto dele (esse ponto ficando claro no filme).
Madalena tem um capítulo à parte no livro, mas no filme, ela aparece primeiramente como se fosse uma coadjuvante, a câmera não mostra seu rosto. Sabemos então que Paulo a elege como esposa (queria um herdeiro antes de qualquer pretensão amorosa) e a aborda numa cena que poderia ser cômica, mas certamente não é, pois já prevê o clima trágico da cena da igreja, no final. Talvez no filme essa comicidade não aparente muito se o expectador não prestar atenção no diálogo. No livro, o leitor já sabe que Paulo está arrebatado pela paixão, mas trata sobre o casamento como um negócio, ao mesmo tempo que não esconde sua pressa. No filme, não há nenhuma cena que mostre que ele se encantou por Madalena, o que tem seu lado positivo, pois ela daria um ar novelesco/folhetinesco que é incompatível com a natureza de Paulo Honório, que é o narrador. Por outro lado, corre o risco do expectador perder a comicidade da cena. E Madalena se mantém séria, ponderando a proposta, é sincera e diz que não sente amor, mas que o negócio lhe é vantajoso.
Minha única crítica ao filme é a atuação da atriz Isabel Ribeiro. Tem cenas que ela está ótima, como no jantar em que discute política com os convidados de Paulo e nas cenas em que ela se irrita com ele. Mas nessa cena da proposta, eu queria ter visto um pouco mais de repulsa na expressão dela. Em vez de parecer hesitante, ela me pareceu boba, uma bobisse que encaixa na cena da igreja (e me emocionou), mas não me agradou de todo na cena da proposta. Um outra cena que não me agradou, mas provavelmente é resultado da perda de toda a sutileza do sofrimento de Madalena presente no livro e no filme teve que ser mostrada rapidamente, foi quando Paulo tem um acesso de ciúmes de madrugada e atira pela janela num suposto amante de Madalena. Ela acorda com o tiro e ouvindo a explicação estapafúrdia de Paulo começa a chorar. Não vemos o seu rosto, mas me pareceu uma reação artificial o modo como a atriz procedeu.
O capítulo central do livro, o 19, é um primor da linguagem narrativa. Paulo Honório no meio de um delírio vê Madalena sentada a sua frente, no presente onde já está morta, e mistura o passado com o futuro daquele passado, tudo no presente. É lindo. E no filme, temos uma cena bem rápida, mas muito significante em que esse capítulo é condensado.
A partir desse capítulo, o livro é narrado na chave mais subjetiva, se opondo à primeira parte, mais objetiva, segundo a análise do meu professor Erwin Torralbo. Temos então os problemas do casal, os problemas de Paulo com seu ciúmes, os problemas de Madalena com a brutalidade de Paulo e num diálogo com Padilha (o antigo dono de São Bernardo), fica evidente que Paulo não conhece a esposa. A frase é ótima, Padilha diz "O senhor conhece a mulher que possui". A frase fica martelando na mente de Paulo e fica claro que ele nem a possui e nem a conhece.
Então o leitor e o expectador entende que Paulo escreve para poder entender esses fatos, entender Madalena e sobre tudo no final, tentar entender a si. Porque Paulo já não é mais o coronel violento, mas também não consegue se modificar. No filme, essa ultima cena é muito bonita, mostrando enquanto ele narra seu embate interno, a câmera mostra os empregados da fazenda, gente pobre como ele um dia fora e como um dia Madalena também fora. Paulo sabe que com ou sem revolução, a fazendo vai prosperar, e ele estará numa posição confortável. Madalena sabia que seu idealismo socialista não era o suficiente para combater tudo o que Paulo Honório representava.
Madalena foi definhando até que presenciamos aquela cena da igreja, onde a atriz deu esse aspecto meio bobo, o que pensando agora, e talvez me contradizendo, foi uma boa escolha. Madalena conversa com Paulo sem ser ouvida e Paulo tenta conversar com Madalena sobre outro assunto, sem ser ouvido também. Ele quer saber sobre um carta que ele achou uma folha solta, escrito por ela. E ela está naquela atmosfera de quem já desistiu. Conta seu passado pobre, que é o presente do empregados da fazenda, genuinamente preocupada com eles. Mas ela já desistiu. Paulo Honório não a entende, quer preparar viagem. Paulo continua não entendendo Madalena. E no final, sabe que se eles começassem de novo, ia acontecer tudo exatamente igual.
Dei falta de Mãe Margarida, apesar de citada no início do filme, mas não foi uma grande perda. Achei o filme como obra independente excelente e igualmente bom como adaptação do romance.
Vi São Bernardo de Leon Hirszman (1971) ontem à noite e me emocionei, o que não ocorreu com o livro. Isso é comum pra mim, me emociono fácil com filmes, mas os livros me arrancam sorrisos e não lágrimas, independente do clima dele. (Posso ter me emocionado com alguns livros também, mas já não me lembro...) Um fator que pode ter influenciado as lágrimas pode ter sido o conhecimento prévio do desfecho das personagens e o uso dos diálogos do livro. Uma escolha que eu considerei muito feliz.
A trama da obra consiste numa tentativa de Paulo Honório, o senhor da fazenda São Bernardo, a qual ele trabalhara quando jovem, em contar através da escrita sua história e como conseguiu erguer São Bernardo, como conseguiu ascender de uma classe social pobre à coronel. Estamos no interior de Alagoas, no período da República e ao longo da primeira parte do livro e do filme, você acredita que a estória é sobre isso.
Então, entra Madalena. O leitor já sabe que Madalena faleceu há dois anos. No filme não me lembro se a informação é dita logo no início de sua aparição ou mais adiante. O que importa aqui é que Madalena (e isso não fica claro no filme) é o completo oposto do que Paulo Honório desejava numa esposa, e mais importante, é o completo oposto dele (esse ponto ficando claro no filme).
Madalena tem um capítulo à parte no livro, mas no filme, ela aparece primeiramente como se fosse uma coadjuvante, a câmera não mostra seu rosto. Sabemos então que Paulo a elege como esposa (queria um herdeiro antes de qualquer pretensão amorosa) e a aborda numa cena que poderia ser cômica, mas certamente não é, pois já prevê o clima trágico da cena da igreja, no final. Talvez no filme essa comicidade não aparente muito se o expectador não prestar atenção no diálogo. No livro, o leitor já sabe que Paulo está arrebatado pela paixão, mas trata sobre o casamento como um negócio, ao mesmo tempo que não esconde sua pressa. No filme, não há nenhuma cena que mostre que ele se encantou por Madalena, o que tem seu lado positivo, pois ela daria um ar novelesco/folhetinesco que é incompatível com a natureza de Paulo Honório, que é o narrador. Por outro lado, corre o risco do expectador perder a comicidade da cena. E Madalena se mantém séria, ponderando a proposta, é sincera e diz que não sente amor, mas que o negócio lhe é vantajoso.
Minha única crítica ao filme é a atuação da atriz Isabel Ribeiro. Tem cenas que ela está ótima, como no jantar em que discute política com os convidados de Paulo e nas cenas em que ela se irrita com ele. Mas nessa cena da proposta, eu queria ter visto um pouco mais de repulsa na expressão dela. Em vez de parecer hesitante, ela me pareceu boba, uma bobisse que encaixa na cena da igreja (e me emocionou), mas não me agradou de todo na cena da proposta. Um outra cena que não me agradou, mas provavelmente é resultado da perda de toda a sutileza do sofrimento de Madalena presente no livro e no filme teve que ser mostrada rapidamente, foi quando Paulo tem um acesso de ciúmes de madrugada e atira pela janela num suposto amante de Madalena. Ela acorda com o tiro e ouvindo a explicação estapafúrdia de Paulo começa a chorar. Não vemos o seu rosto, mas me pareceu uma reação artificial o modo como a atriz procedeu.
O capítulo central do livro, o 19, é um primor da linguagem narrativa. Paulo Honório no meio de um delírio vê Madalena sentada a sua frente, no presente onde já está morta, e mistura o passado com o futuro daquele passado, tudo no presente. É lindo. E no filme, temos uma cena bem rápida, mas muito significante em que esse capítulo é condensado.
A partir desse capítulo, o livro é narrado na chave mais subjetiva, se opondo à primeira parte, mais objetiva, segundo a análise do meu professor Erwin Torralbo. Temos então os problemas do casal, os problemas de Paulo com seu ciúmes, os problemas de Madalena com a brutalidade de Paulo e num diálogo com Padilha (o antigo dono de São Bernardo), fica evidente que Paulo não conhece a esposa. A frase é ótima, Padilha diz "O senhor conhece a mulher que possui". A frase fica martelando na mente de Paulo e fica claro que ele nem a possui e nem a conhece.
Então o leitor e o expectador entende que Paulo escreve para poder entender esses fatos, entender Madalena e sobre tudo no final, tentar entender a si. Porque Paulo já não é mais o coronel violento, mas também não consegue se modificar. No filme, essa ultima cena é muito bonita, mostrando enquanto ele narra seu embate interno, a câmera mostra os empregados da fazenda, gente pobre como ele um dia fora e como um dia Madalena também fora. Paulo sabe que com ou sem revolução, a fazendo vai prosperar, e ele estará numa posição confortável. Madalena sabia que seu idealismo socialista não era o suficiente para combater tudo o que Paulo Honório representava.
Madalena foi definhando até que presenciamos aquela cena da igreja, onde a atriz deu esse aspecto meio bobo, o que pensando agora, e talvez me contradizendo, foi uma boa escolha. Madalena conversa com Paulo sem ser ouvida e Paulo tenta conversar com Madalena sobre outro assunto, sem ser ouvido também. Ele quer saber sobre um carta que ele achou uma folha solta, escrito por ela. E ela está naquela atmosfera de quem já desistiu. Conta seu passado pobre, que é o presente do empregados da fazenda, genuinamente preocupada com eles. Mas ela já desistiu. Paulo Honório não a entende, quer preparar viagem. Paulo continua não entendendo Madalena. E no final, sabe que se eles começassem de novo, ia acontecer tudo exatamente igual.
Dei falta de Mãe Margarida, apesar de citada no início do filme, mas não foi uma grande perda. Achei o filme como obra independente excelente e igualmente bom como adaptação do romance.