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Juliet ([personal profile] evig) wrote in [community profile] contemspoiler2017-07-27 05:18 pm

Sexo e estrutura narrativa de romances juvenis em Garotos Malditos, de Santiago Nazarian

Acabei de terminar Garotos Malditos então essas impressões que vou escrever serão mais superficiais.

Por se tratar de um livro juvenil, tem uma leveza, e principalmente, agilidade na escrita. É narrado em primeira pessoa, distribuídos em 250 páginas com uma diagramação bem espaçada e com ilustrações no início de cada capítulo. O único ponto, em se tratando da escrita, que me incomoda um pouco nesta obra é o uso do pretérito-mais-que-perfeito, corretíssimo, correto demais para um garoto de 16 anos. Mas como isso aconteceu duas ou três vezes e estava na mesma frase que tinham gírias ou até mesmo palavrões, ainda pode-se passar por uma linguagem natural de garoto que teve uma boa educação (num colégio religioso, inclusive).

Não vou me ater ao plot. Mas duas coisas me chamaram atenção e eu fiquei muito feliz de encontrá-las num livro para jovens: sexualidade e elementos de estrutura narrativa típicas de romances de fantasia/mistério sendo discutidas muito sutilmente, numa camada mais submersa da história contada por Ludo (que é onde eu enxergo o autor).

Falando primeiramente da sexualidade: é muito claro a rede metafórica que o autor monta com os monstros e os elementos do plot (como a transformação do corpo depois de infectado pela maldição) com as características da adolescência. E o papel da sexualidade aqui não é meramente mostrar que os instintos sexuais são como demônios se apoderando dos corpos juvenis. Ela tem uma importância no plot da história e é numa chave positiva. Nada de “vamos tentar conter os impulsos para não virarmos monstros”. É inclusive “ainda bem que eu já transei…”. Não chega a ser uma valorização rasa do sexo, e nem uma desvalorização do adolescente que não transam. Inclusive, há uma inversão dos estereótipos. Mas é muito positivo ver na literatura adolescentes iniciados sexualmente (ambiguidade proposital), e o nível de maturidade com que esses personagens lidam com isso. Como Ludo lida (ou melhor, não lida) com a gravidez e aborto da antiga namorada, motivo pelo qual ele fora expulso. Tem todos os indícios de que, se tratando de um colégio religioso, professores e pais não conversam sobre sexo com seus filhos. E mesmo os pais de Ludo serem tão liberais (no sentido moral), não ficaram sabendo do verdadeiro motivo da expulsão do filho. No fim, quem arcou com todas as responsabilidades foi a família da garota, e Ludo apenas tenta não pensar nisso, porque não sabe como lidar.

O ponto da estrutura é mais complexo e eu posso ter percebido isso só porque escrevo também e porque eu convivo com literatura juvenil ruim (nyah, wattpad). Ezra comentou sobre isso no mastodon também, então eu fiquei muito feliz de ter percebido esse lado mais submerso. Garotos Malditos tinha que funcionar como literatura juvenil, e funciona, mas não é só por ter vampiros e lobisomens numa escola e um protagonista de 16 anos tentando se adequar (ou nem tanto). A estrutura que mais funciona em “romances de plot” é a jornada do herói. Sim, essa estrutura tem um nome. Não sei quem foi o tiozinho que formalizou isso, mas é uma estrutura bem esquemática, inclusive estudada por antropólogos em lendas e contos folclóricos. Dizem que é uma estrutura que está em todas (!) as (boas?) histórias já contadas na História, pelo mundo todo… Isso não é verdade. O que vemos é que existem certos elementos na maioria delas. Como um objetivo a ser alcançado pelo protagonista, um objeto que o ajude (pode ser uma pessoa), o momento em que ele acha que não vai conseguir, mas descobre que tem algo de especial e que é a pessoa certa para resolver a situação, o momento da reviravolta (que pode ser o clímax) e o desfecho. Muitos roteiros de filmes bebem dessa fonte sem tirar nem pôr.

O que o Nazarian faz em Garotos Malditos é jogar com essa expectativa que temos ao ler livros de mistério, articulando toda a nossa bagagem literária e cinematográfica. Quando Ludo vai pro Colégio Pentagrama, o leitor já tem conhecimento prévio de que o lugar não é o que o protagonista acha que é (e isso é tanto pelas nossas expectativas, quanto pelos nomes e características das personagens). Expectativa saciada. Quando Ludo recebe um objeto para protegê-lo, temos a expectativa saciada até o momento em que o leitor descobre que o objeto não cumpriu a expectativa e foi facilmente descartado pelo autor. Se não temos objeto, então é algo dentro do protagonista que vai salvá-lo de um destino horrível? Nada... No meio da história, os monstros conseguem o que querem e Ludo vira só mais um, o que o deixa um pouco frustrado porque ele gosta de ser meio “outsider”. E assim em diante.

É uma obra muito divertida, num sentido mais rasteiro, como nomear o padre cantor galã de Fábio… Júnior. E o fanservice com a diretora gostosa é tão absurdo quanto os dos filmes de terror slashers e chega a ser engraçado mesmo, porque ela é a pessoa mais poderosa da escola e age como uma apresentadora infantil (e é um adolescente que conta a história, não podemos esquecer, além disso, é um estereótipo invertido). Talvez o clímax com ela seja exagerado, mas não chega a ser algo que atrapalhe, tudo ser inflado é que faz com que a história seja interessante.

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